Biography or history
Fundado, em finais de 1880, no rescaldo das comemorações do tricentenário da morte de Camões, "O Século", na sua fase inicial (1880-1896), empenhou-se, sobretudo, na afirmação do projecto republicano. Foi seu primeiro director, o jornalista e advogado, Sebastião Magalhães Lima, o qual fundou o jornal com Anselmo Xavier, advogado, António Pinto Leão de Oliveira, médico, João de Almeida Pinto, jornalista e José Campelo Trigueiros de Martel, proprietário. Graças à colaboração de uma élite de jornalistas e intelectuais republicanos, a propaganda intensa e desassombrada das colunas do jornal, bem como o ardor da liderança de Magalhães Lima, assente em campanhas demolidoras, como a que ocorreu, em 1881, contra o Tratado de Lourenço Marques, mantiveram elevado o interesse do público pelo periódico, granjeando-lhe, desde o início, imenso sucesso. Nos finais de oitocentos, em virtude de mudanças ocorridas na propriedade da empresa e de algumas divergências com os seus consócios, José Joaquim da Silva Graça, já então exercendo funções de administrador, tornou-se o sócio maioritário, sucedendo a Magalhães Lima na respectiva direcção. O novo director, adoptando uma estratégia de comunicação de massas, direccionadas aos mais diversos tipos de público, soube interagir sobre eles para ganhar, por um lado, a sua adesão à causa republicana, por outro, a aceitação e expansão do jornal. Introduzindo processos de atracção e de penetração até então desconhecidos em Portugal, como a organização de uma impressionante rede de correspondentes, pela sua abrangência e rapidez de expansão, Silva Graça transformou o diário, em poucos anos, num empreendimento comercial vigoroso, dando azo a novos investimentos e, consequentemente, ao aparecimento de novos suplementos ("O Século Humorístico", "Modas e Bordados", "Brasil e Colónias"), edições especiais (publicações de folhetins, "Século da Noite") e outras publicações ("Almanaque d' O Século", "Século Cómico", "Ilustração Portuguesa", "Os Sports", "Século Agrícola"). Assim, definindo a matriz d' "O Século" e a sua identidade cultural a partir da importância atribuída à informação, da preocupação com a diversidade de públicos e da defesa dos cidadãos através de campanhas e da organização de iniciativas de carácter desportivo, cultural e assistencial, Silva Graça ajudou não só a concretizar a República, como a transformar o periódico num grande órgão de informação de entre e além fronteiras, cuja divisa, "o jornal de maior circulação em Portugal" passou a ostentar no cabeçalho. Contudo, atingida a maturidade empresarial, mais precisamente, em 1920, a crise instalou-se na empresa. Na sua origem estiveram, por um lado, as repercussões da violenta campanha contra a Companhia Portugal e Colónias, em que "O Século" denunciou os abusos monopolistas referentes à questão do pão, e por outro, as divergências entre Silva Graça e seu filho relativamente à orientação do jornal. Tentando tirar partido da crise de liderança que a empresa atravessava, a já referida Companhia investiu numa grande ofensiva para controlar o periódico, acabando por o conseguir, em 1922. Na posse da Companhia Portugal e Colónias até finais de 1924, e sob a orientação de vários directores, entre os quais Cunha Leal, a viragem na propriedade do jornal processou-se ao ritmo das movimentações políticas que foram ocorrendo na sociedade portuguesa por essa altura. Das várias lutas desencadeadas contra o regime republicano, destacou-se a liderada pela confederação patronal União dos Interesses Económicos, também considerada um espaço privilegiado de oposição ao regime e, meses depois, de conspiração a favor de uma intervenção militar, congregando elementos de outras sensibilidades políticas. Assim, foi num contexto de preparação da opinião pública para a eclosão de um golpe de estado destinado a impor uma ditadura militar que, em Novembro de 1924, João Pereira da Rosa, ex-funcionário d' "O Século", desde 1920, Carlos Oliveira, um dos fundadores da organização patronal, e Mosés Amzalak, economista, além de presidente da Associação Comercial de Lisboa e da Comunidade Judaica, adquiriram para a referida organização o jornal "O Século" e a sua empresa editora, atribuindo a sua direcção ao jornalista e diplomata, Henrique Trindade Coelho, e a administração a João Pereira da Rosa, na qualidade de administrador-delegado.O reconhecimento do apoio do jornal ao novo regime viria, no entanto, a forçar a saída do seu director. Na sequência do triunfo do 28 de Maio, Trindade Coelho, agastado politicamente por críticas e ofensas de certa imprensa, abandonou a direcção, em Junho de 1926. Nos termos dos estatutos da sociedade comercial editora do jornal, sucedeu-lhe o administrador delegado.Passados os primeiros meses de mandato do novo director, o conselho de administração da empresa editora, Sociedade Nacional de Tipografia, composto pelo grupo adquirente, definindo atitudes, em notícia divulgada a 10 de Novembro, proclamou a independência do jornal face à União dos Interesses Económicos, clarificando ainda a posse exclusiva da propriedade da empresa, com fundamento nas responsabilidades assumidas no seu processo de aquisição. Várias associações, participantes no processo em causa, sentiram-se então ludibriadas. Destas, destacou-se a Associação Industrial Portuguesa que, liderando o grupo dos queixosos, sustentava que o jornal havia sido comprado para a União dos Interesses Económicos e não para os três. Instalada a polémica, a questão permaneceu em foco até 1928, sendo seguida com grande entusiasmo pela opinião pública. João Pereira da Rosa, apontado como o mentor e principal beneficiário da operação, aceitou debater o caso. Na Associação Comercial de Lisboa, de Dezembro de 1926 a Janeiro de 1927, as sessões agitadas e tumultuosas das assembleias gerais, presididas por Carlos de Oliveira, sucederam-se. Dois anos depois, a legar às gerações vindouras a sua defesa, João Pereira da Rosa publicou a separata "O Caso d' O Século". Ultrapassada a polémica, e consolidado o regime, a Sociedade Nacional de Tipografia, sob a condução de João Pereira da Rosa, voltou a caracterizar-se por um grande dinamismo empresarial, de acordo com a sua cultura organizacional. Ampliando a rede de correspondentes, melhorando a distribuição e remodelando o parque gráfico, os objectivos passaram a centrar-se na abertura de novas sucursais, na renovação de outras, no desenvolvimento da Editorial O Século, no lançamento de novas publicações ("O Cinéfilo", "O Século Ilustrado" e "A Vida Mundial") e, sobretudo, na introdução de novos suplementos e publicações, dirigidos a um público infantil, de que salientamos o popular "Pim-Pam-Pum" e a revista "Joaninha". Mas foi, sem dúvida, graças ao investimento em centenas de iniciativas de diversão, de solidariedade social, de carácter cultural, desportivo e patriótico, levadas a cabo entre 1927 e 1938, que o jornal reforçou a sua popularidade em todo o país. Dessas, a Colónia Balnear Infantil, iniciada, em 1908, e retomada em 1927, em S. Pedro do Estoril, constituiu o corolário de todas as obras que o jornal desenvolveu em prol da causa de protecção à infância desprotegida. De 1934 a 1938, João Pereira da Rosa, através de um empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos, conseguiu comprar as acções de Carlos Oliveira e de Mosés Amzalak, reforçando a sua posição na Sociedade Nacional de Tipografia. Em 1938, na qualidade de accionista maioritário, fez entrar os seus dois filhos, Guilherme e Carlos Alberto Pereira da Rosa, para a administração. Estes, condicionados por uma conjuntura política, cada vez menos favorável ao debate das ideias e ao tipo de campanhas movidas pelo Século, enveredaram pela estratégia da diversão pública, organizando e promovendo variadas iniciativas populares e desportivas. Em 1940, aquando da realização da Exposição do Mundo Português, e em 1943, na sequência da instalação da Feira Popular, no Parque da Palhavã, este papel de promotor de múltiplas actividades impôs-se. Porém, com o recrudescer da oposição, desde o final da guerra, a posição d' "O Século" começou a revelar alguns indícios de ambiguidade face à continuidade do regime. Essa atitude valeu-lhe o afastamento da organização da Feira Popular, entre 1948 e 1950. Em 1951, retomou a tradição, mantendo-a, até 1956, despedindo-se da Palhavã, nesse ano, por sinal o da ocorrência nela da primeira emissão televisiva. Para colmatar o vazio deixado pelo encerramento da antiga Feira, principal fonte de receita da Colónia Balnear, a empresa lançou novas iniciativas: Os Salões de Artes Domésticas, em 1957; a Feira de Alvalade, em 1958, promovida com a colaboração do Sporting Club de Portugal; os concursos com a colaboração da Radiotelevisão Portuguesa. Todavia, face a resultados pouco satisfatórios, a organização da Feira Popular acabou por ser retomada, em 1960, no espaço do antigo Mercado Geral do Gado, em Entrecampos, único espaço que a Câmara Municipal de Lisboa se dispôs a licenciar e, ao longo de anos, a prorrogar a autorização. Sem ser o local ideal, foi, no entanto, o recurso que permitiu à empresa fazer face aos encargos de carácter social e aos défices da publicidade do jornal, cada vez mais agravados pela concorrência da rádio e da televisão. Não obstante as dificuldades, durante a década de cinquenta, "O Século" conseguiu manter o seu prestígio e popularidade. Através da diversificação de suplementos ("Desportivo", "Artes e Letras", "Vida Feminina", "As Voltas que o Mundo dá", "Portugal de Lés a Lés"), o jornal visou todo tipo de público, reforçando ainda o seu papel de escola de jornalistas. Após a morte de João Pereira da Rosa, em 1962, sucedeu Guilherme Pereira da Rosa, já então director adjunto, desde 1950. Consciente da difícil situação financeira herdada, e de um contexto político e económico desfavorável, a nova direcção lançou mão a todos os meios para responder aos problemas decorrentes da profunda alteração da imprensa, durante os anos 60, como a concorrência da televisão, as pressões dos grandes grupos económicos e o crescente endividamento à banca, motivado pelas necessidades de investimento na modernização do parque gráfico. Contudo, no início dos anos 70, as estratégias, até então adoptadas, revelaram-se insuficientes para compensar a crescente subida da inflação e das despesas. Sem qualquer apoio governamental e onerado com mais impostos sobre a publicidade, o jornal passou a evidenciar um claro alinhamento com a oposição ao regime marcelista. Em Setembro de 1972, Guilherme Pereira da Rosa, aceitando uma proposta do grupo económico de Jorge Brito, detentor do Banco Intercontinental Português, acedeu a vender a sua posição na Sociedade Nacional de Tipografia. Para gerir a empresa, numa conjuntura económica complexa, de continuidade da inflação, com subidas das matérias-primas e de custos com pessoal, foi nomeado o chefe adjunto da redacção, Manuel Figueira. Este, ligado ao jornal, desde 1964, foi o primeiro dos últimos directores à frente d' "O Século" na sua fase terminal. Após a mudança do regime, em 25 de Abril de 1974, assegurou a direcção ainda durante alguns meses. No início de 1975, face ao recrudescer da luta ideológica e partidária no seio da empresa, a qual motivou a expulsão dos seus administradores, acabou por pedir a demissão. Na sequência daquela atitude, a 14 de Fevereiro de 1975, o Conselho de Ministros nomeou uma nova administração para a Sociedade Nacional de Tipografia, alterando ainda, profundamente, a linha editorial do jornal. A intervenção do Estado, auspiciando, desde logo, o fim da empresa privada, teve como consequências: a perda da independência do periódico; as lutas internas político partidárias; a situação de agravamento económico da empresa, com um acentuado decréscimo de vendas do jornal e restantes publicações; um aumento indirecto das dívidas ao Estado. Em finais de 1975, com o governo a dar sinal de querer pôr termo à situação deficitária da imprensa dependente do Estado, surgiu o projecto de lei da imprensa estatizada, baptizado com o nome de Almeida Santos, então ministro da Comunicação Social, e, em Julho de 1976, o decreto da nacionalização das posições privadas das empresas. Por força daquele diploma, foi criada a Empresa Pública dos jornais Século e Popular, constituída em resultado da fusão das sociedades gestoras dos dois jornais: Sociedade Nacional de Tipografia e Sociedade Nacional de Imprensa. Contudo, em virtude do estado de falência técnica e dos problemas herdados de gestões anteriores, aquela empresa cedo foi considerada em situação insustentável e irrecuperável, vindo a ser extinta, em finais de 1979. Pela direcção d' "O Século" passaram, nos últimos quatro anos da sua existência, vários directores. Sucederam-se ao ritmo das mutações e vicissitudes dos contextos políticos do momento. Apesar da brevidade dos seus mandatos, registamos, entre outros, os nomes de: Adelino Tavares da Silva, João Gaspar Simões e Manuel Magro.