OFÍCIO do governador de Cabo Verde, João da Mata Chapuzet, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Joaquim José Monteiro Torres, sobre as extraordinárias e urgentíssimas providências, que em vereação geral se adoptaram, a fim de manter a tranquilidade pública e conservar indeléveis, a fidelidade e obediência destes povos; informa que foram pagos os vencimentos atrasados da tropa e dos empregados de todas as classes e satisfeitos muitos particulares que eram credores do Cofre da Fazenda Real, tendo desta maneira, sido sufocada a princial origem do público descontentamento que se observava e que provinha de várias circunstâncias, a saber: a câmara da vila da Praia, que devia ter concluído as suas funções de governança com o ano de 1825, retinha ainda o respectivo exercício no mês de Maio, sem se haver procedido nos termos do estilo, para entrar de posse a nova câmara; o desembargador ouvidor-geral, que tinha saído desta ilha no mês de Novembro de 1825, para fazer as correições nas ilhas do Fogo e Brava, estava ainda na primeira das ilhas; a extraordinária demora daquele magistrado, ausente há 6 meses, parecia-lhe não só intempestiva e desnecessária, mas até de grave inconveniente para a boa administração da justiça, porque os objectos dependentes da ouvidoria estavam paralisados e as prisões cheias de criminosos, cujos processos muito convinha ultimar; no entanto, já tinha observado ao mesmo ministro, antes de sair da iha, uma conduta irregular, alguns vislumbres de imoralidade, manifesta propensão para abusos e arbitrariedades e finalmente visível ignorância dos deveres do seu cargo; tendo chegado embarcações da ilha do Fogo, trouxeram notícias por cartas particulares dos factos atrás citados e cometidos na sobredita ilha, pelo ouvidor-geral, e relatados pelas representações que os habitantes daquela ilha lhe dirigiram e que remete, numerados de 1 a 11; estas representações, contendo queixas contra o desembargador ouvidor-geral, demonstram irregularidades de procedimento, erros de ofício, pressões despóticas, também, vislumbres de loucura, extravio de dinheiro proveniente das dívidas das capelas e finalmente actos contrários ao bom acolhimento de partes, tão recomendado pelos soberanos legisladores da monarquia, a todos os magistrados; mandou chamar a esta ilha o ouvidor-geral, e enviou à ilha do Fogo, o tenente-coronel, António Lourenço do Couto, ajudante de ordens deste governo, para o informar sobre o espírito público dos habitantes e para fazer retirar o mesmo magistrado, de forma tranquila e conveniente, conforme à dignidade do seu cargo, visto que ele estava em conflito de jurisdição e desordem, com o comandante militar da ilha; informa que 4 indivíduos da câmara, entre eles o juiz ordinário e o escrivão, passaram na casa de residência daquele magistrado, em corpo de representação municipal e deram-lhe voz de prisão da parte de S.M., sem que o governador tivesse o menor conhecimento de tal ordem; tomando todas as medidas de precaução que o caso pedia e entrando no exacto conhecimento deste excesso praticado contra a autoridade civil, que constitui um terrível exemplo para mais arbítrios contra as autoridades das colónias, ordenou imediatamente ao desembargador ouvidor-geral, que entrasse no pleno exercício das suas funções; mandou chamar ao quartel general do governo, o ouvidor, para o repreender de tudo o que aconteceu, e para proceder segundo a Lei, contra os indivíduos comprometidos com os actos praticados, os quais, assim que a nova câmara tomou posse, espontaneamente se recolheram à prisão, esperando decisão do poder judicial; remete as queixas contra o ouvidor, porque foram os seus procedimentos, que originaram o sobredito acto ilegal cometido pelos indivíduos da câmara.
1826-06-23