OFÍCIO do governador de Cabo Verde, Marcelino António Basto, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa Coutinho, a informar da chegada ao porto da Preguiça da ilha de São Nicolau, da fragata espanhola denominada São João Nepomuceno de 600 toneladas e 30 peças de artilharia, proveniente do comércio de Lima e pertencente a D. Inácio e D. Manuel Santiago e Rotalde, tendo o 1º piloto, José Ritte, se dirigido imediatamente à povoação, à presença do capitão-mor comandante, José António Dias, a quem expôs o seguinte: saíra de Montevideu com destino a Lima em comboio com o bergantim Santa Bárbara, levando negros senegaleses pertencentes ao senhorio do navio para ali serem vendidos; aproveitando metade da tripulação a dormir e do descuido dos demais, apoderaram-se de armas brancas e de fogo, com que mataram o 2º piloto, D. Hilário Moreno, o mordomo, o contramestre, o capitão D. Anselmo de Vyage e 12 marinheiros; fuga dos brancos para as gaveas e entrega das armas, ficando os negros senhores do navio; exigência para serem levados para o Senegal; após 5 meses de viagem, restavam 30 pipas de água, tendo morrido 14 homens entre brancos e pretos de escorbuto, de que se achava infectada a maior parte da tripulação; encontrando-se perto de Cabo Verde, veio a terra o piloto José Ritte, pedir ao capitão-mor auxílio; prisão de um negro e combate, tendo os negros sobreviventes cortado as amarras e feito à vela; louva o comportamento dos habitantes da ilha de São Nicolau e do seu comandante, José António Dias; o piloto José Ritte, um negro , um escravo e 2 marinheiros seguirão para a corte na escuna da Fazenda Real; impossibilidade moral de 25 negros capazes de pegar em armas, terem-se imposto por tanto tempo a uma numerosa tripulação de mais de 100 pessoas; não chegaram ainda 6 franceses e alguns espanhóis deixados na ilha de São Nicolau.
1801-05-30