A ação prende-se com a violência exercida por José Joaquim de Sá Martins, vigário-geral do bispado do Funchal, sobre António Xavier Pimentel, advogado nos auditórios da cidade do Funchal, devido à lutuosa de Manuel Suplício Pimentel, vigário da Colegiada da Câmara de Lobos e irmão do autor.
"Falecendo o vigário da igreja Colegiada de Câmara de Lobos irmão do suplicante com seu testamento nele declarara que toda a prata que tinha em sua vida a dera à sua irmã e que só lhe ficara uma caixa que lhe tinha custado na cidade de Londres dezoito mil réis e que a deixava por lutuosa ao reverendo bispo. Querendo o suplicante voluntariamente cumprir aquele legado não se lhe quis aceitar sendo avisado que devia mandar todos os móveis e semoventes para o mesmo reverendo bispo escolher o que lhe parecesse; e logo foi o suplicante citado por ordem do reverendo vigário geral recorrido para entregar todas as ditas peças com a cominação de se tomar posse de todas.
Desta citação em princípio de ação chamada de embargos à primeira, pediu o suplicante vista que se lhe denegou sem primeiro apresentar os ditos trastes de que apelando se lhe não deferiu a apelação senão depois da mesma entrega e tornando a apelar teve o mesmo deferimento. De todas estas violências que constituem três objetos já o suplicante interpôs a Vossa Majestade outro semelhante recurso de que já se passou rogatória, que ainda está pendente.
Depois de praticadas estas manifestas opressões de que o suplicante espera ser aliviado por meio de outro recurso se passou a outras opressões de que o suplicante espera ser aliviado por meio de outro recurso se passou a outros iguais ou maiores, indo como em alçada a justiça eclesiástica à casa do suplicante para lhe tirarem dela todas as sobreditas peças, móveis e semoventes; e perguntando-lhes o suplicante se levavam ordem do governador, corregedor, ou juiz de fora respondendo-se-lhe que não fechou a sua porta pelo que não fizeram a pretendida apreensão.
Foi depois crescendo a violência procedendo-se de facto, sem ao menos se acusar em audiência a notificação e sem se julgar por sentença; de sorte que recolhendo-se o suplicante para sua casa, chegando ao adro da igreja de São João Evangelista aí o investiu a dita justiça eclesiástica levando consigo oito boieiros homens seculares apegados para isso pela mesma justiça, e cercando ao suplicante se enviaram contra ele com a maior descompostura e insolência lançando-lhe o chapéu por terra e indo o mesmo suplicante a levantá-lo se botaram sobre ele e lhe arrancaram da cinta o espadim, e com ele gravemente o feriram em uma mão de que está em perigo, e com a maior desatenção e despotismo o prenderam no aljube daquela ilha onde se conserva à ordem do dito vigário geral recorrido, com proibição de falar a pessoa alguma.
Estas são as violências contra o suplicante praticadas em um país em que há magistrados seculares, que são rigorosamente executores e defensores das leis e jurisdição de Vossa Majestade, sucedendo a estas nulidades, e opressões a outra de se formalizar um auto de resistência contra o suplicante depois de preso tão incivilmente que logo foi sumariamente sentenciado em degredo para o Brasil, vários meses de prisão e pena pecuniária de que o suplicante sem desistir mas antes protestando o meio do presente recurso apelou omisso médio para a Sé Apostólica. E por isso espera o suplicante que Vossa Majestade o socorra com infalível provimento."
Contém 3 apensos:
1) o traslado dos autos de petição de notificação em que é autor o reverendo cónego procurador da mitra do bispado do Funchal e réus o Dr. António Xavier Pimentel e sua irmã Rosa Luzia, ambos da cidade do Funchal e herdeiros do vigário da Colegiada de Câmara de Lobos, o reverendo Manuel Suplício Pimentel, por não terem apresentado "a descrição das peças moventes e semoventes que ficaram por falecimento do reverendo defunto para vossa mercê eleger a mais preciosa para lutuosa do excelentíssimo prelado na forma de direito e costume antiquíssimo deste bispado e dos mais do reino";
2) o traslado do auto de injúria que mandou fazer o reverendo tesoureiro-mor, provisor e vigário-geral José Joaquim contra António Xavier Pimentel por proferir contra o dito reverendo palavras injuriosas em razão do seu ofício e por resistência à justiça, "indo os oficiais deste juízo a casa do Doutor António Xavier Pimentel fazer um embargo por ordem de vossa mercê para conservação das peças moventes e semoventes que ficaram por morte do vigário da Câmara de Lobos e irmão do sobredito, enquanto se não decide a questão que este move a respeito da lutuosa pertencente à excelentíssima mitra, não quis nem consentiu o referido Doutor António Xavier que se fizesse a tal apreensão causa costodiae fechando a porta e ameaçando os oficiais e outros despotismos que os oficiais portaram por fé";
3) o traslado do auto que mandou fazer o reverendo provisor e vigário-geral contra António Xavier Pimentel por resistir ao cumprimento de ordens judiciais, "dando a mão de preso ao dito autuado António Xavier Pimentel e em observância de uma ordem que tinha para o prender com o aljubeiro Inácio José Caetano por ter o dito autuado resistido à justiça injuriando ao dito senhor ministro e impedindo do exercício de sua justiça na ocasião que foi com o meirinho-geral João Pedro da Fonseca e o dito aljubeiro a sua casa de que se tinha feito auto contra ele de injúria e resistência e em virtude do mesmo auto e seu deferimento se tinha passado a ordem de prisão contra o dito autuado, este estando junto ao alpendre do adro do colégio no dia declarado pelas doze horas do dia pouco menos respondera mostrando-lhe eu a ordem de prisão que tinha contra ele respondera colericamente que se deixasse o dito dando-me com a mão no mandado de prisão que eu tinha na minha, e o lançara no chão e querendo caminhar pelo mesmo adro, lhe tornara dar a mão de preso que dali não ia se não para a prisão e logo pondo o chapéu na cabeça o dito autuado entrara a resistir com força e violência e metendo a mão ao seu espadim resultou cair-lhe o chapéu da cabeça, e indo levantá-lo me deu lugar a dar-lhe um salto e pegar-lhe nos copos para lhe impedir a fúria e não me matasse com ele, de que também resultou querendo o dito autuado segurar o dito espadim pelo corte e tirá-lo da mão de mim escrivão ferir-se nos dedos da mão esquerda com o mesmo espadim e logo encostando-se à parede entrara a esbracejar gritando colericamente a voz de El-Rei que o queriam insultar, e tendo lutado para fugir à prisão por espaço de um quarto de hora depois de gritar muito e com muita cólera ameaçando-nos que lho havíamos pagar se resolveu a dizer que estava preso e queria ir para o aljube e chegando à porta do reverendo cónego Manuel Simão de Gouveia dizendo que não ia dali sem se curar dos golpes que fez na sua mão consenti se curasse e subindo à dita casa o curara o cirurgião Manuel José de Ponte e nela declarara diante do dito reverendo cónego e de Marcos João cirurgião, antes que chegasse o dito cirurgião Pontes, que o seu intento era passar-me com o dito espadim e que a minha felicidade fora a minha ligeireza com que lhe peguei nos copos dele e se ferira na mão e curado que foi o reduzi ao aljube onde se acha".
Juiz: desembargador Luís Rebelo Quintela