Biography or history
A criação das Ordenanças no século XVI, prende-se com dois fatores principais - derivados das crescentes necessidades bélicas das monarquias no processo de construção do Estado Moderno, assente na fiscalidade e na guerra - a saber: a constituição de um exército à escala do território nacional (quer como alternativa à contratação de tropas mercenárias - com pouca tradição em Portugal, quer ao recrutamento efectuado com base nas levas de homens pelos senhores - realidade dominante no nosso país - de forma a dotar o monarca de um corpo militar não estritamente dependente das hostes senhoriais) e como forma de repelir os ataques dos corsários estrangeiros contra as costas portuguesas, uma vez que a empresa dos Descobrimentos retirou muitos homens das suas terras para seguirem a bordo de inúmeras expedições marítimas (criando-se forças razoavelmente adestradas, facilitando a reunião de alguns elementos para combate).De facto, as Ordenanças constituem um tipo de organização defensiva que traduz uma característica peculiar que retorna ao início da nacionalidade, associada à desproporção entre território e população - o que obrigava a ter constantemente ativa e mobilizada toda a gente válida - que é a existência de «forças localmente levantadas para defesa da sua terra» (Nova História Militar de Portugal. V.3. p. 154).Os primeiros passos dados para a criação das Ordenanças situam-se nos inícios do século XVI, com Dom Manuel I, no propósito de reformar o aparelho militar português, tendo concedido a Dom Nuno Manuel - seu almotacé-mor - pelo Alvará de 8 de Fevereiro de 1508, a capitania geral de toda a gente de ordenança que o rei mandara então levantar em Lisboa e no Reino e, um pouco mais tarde, pelo Alvará de 20 de Maio de 1508 ficou estabelecida a forma de organização da gente de armas. Dom João III, em 1549, faz publicar o Regimento de 7 de Agosto, que determinou, de uma forma geral, as obrigações militares de todos os súbditos com idade entre os 20 e os 60 anos, numa base censitária, aquilo que Joaquim Romero de Magalhães designou como «um princípio de militarização geral da sociedade» (Nova História Militar de Portugal. V. 2. p. 245). Foram estes diplomas os alicerces do sistema das Ordenanças.Pela Lei de Armas de 6 de Dezembro de 1569, pelo Regimento dos «capitães mores e mais capitães e oficiais das companhias» de 10 de Dezembro de 1570 e pela Provisão sobre as Ordenanças de 15 de Maio de 1574, o rei Dom Sebastião criou um modelo de organização militar local - bem montado - que se manteve como base do recrutamento militar em Portugal até à sua definitiva extinção pela revolução liberal triunfante. Na verdade, apesar da publicação de legislação que revogou partes do regimento sebástico e, sem contar com a sua abolição por algum tempo durante o vintismo, manter-se-ia como a referência basilar das Ordenanças durante mais de 260 anos, tendo sido alvo de diversas reimpressões - sobretudo durante o período filipino e após a Restauração. Pela Lei de Armas de 1569 todos os fidalgos, cavaleiros e escudeiros, embora não fossem criados da Casa Real, eram obrigados a ter cavalos e armas, desde que gozassem de determinada renda. À semelhança destes, determinou por ordem decrescente, que todos os outros vassalos tivessem cavalos, arcabuzes e lanças, sendo que os não usufruíam de qualquer renda eram obrigados a ter meias-lanças ou dardos (depois piques). A estas obrigações respondiam os que tivessem entre 20 a 65 anos, sob pena de multas e prisão, em compensação os homens inscritos na Ordenança gozavam de diferentes regalias. Pelo Regimento de 1570 o país foi dividido em várias Capitanias Mores - constituídas com base na circunscrição básica da organização territorial portuguesa do Antigo Regime, a Cidade, Vila ou Concelho - cujo chefe era o senhor da vila ou o alcaide-mor, nas terras de domínio senhorial, ou o capitão-mor, eleito pela Câmara, nos territórios de jurisdição régia, como é o caso do Concelho de Guimarães. Cada Capitania Mor era formada por um número variável de Companhias de Ordenanças, constituídas individualmente por 250 homens, sob o comando de um Capitão de Ordenanças, coadjuvado por um alferes e um sargento. Os 250 efetivos eram divididos em 10 Esquadras, comandadas por 10 Cabos de Esquadra, havendo ainda em cada Companhia de Ordenanças um Meirinho e um Escrivão. Ao Capitão-Mor competia organizar a lista dos homens hábeis para a Ordenança e fiscalizar o seu grau de preparação em dois alardos anuais. Pela Provisão de 1574, dando resposta às queixas do povo, foi estabelecido que nas localidades onde só se pudesse criar uma companhia de Ordenanças, deixaria de haver Capitão-Mor e os oficiais, no exercício das suas funções, passavam a estar isentos da obediência aos seus senhores enquanto vassalos, o que fez com que as Ordenanças deixassem de ser estruturas diretamente associadas às Câmaras ou Donatários, tornando-se uma organização militar dependente da Coroa.A legislação entretanto publicada não teve grande relevância para o modelo de organização e sistema de recrutamento das Ordenanças, não obstante o Alvará de Outubro de 1709, feito publicar por Dom João V, é fundamental, na medida em que - ao legislar uma nova forma de eleição dos oficiais das Ordenanças, na tentativa de exercer um maior controlo sobre as mesmas e coibir os abusos dos seus membros contra as populações - retirou às Câmaras o poder de nomear os Capitães Mores e demais Capitães, cabendo a nomeação definitiva ao Conselho da Guerra, na pessoa do monarca, baseada na escolha de três nomes propostos pela Câmara, sob supervisão do Corregedor ou Provedor da Comarca, ou do Ouvidor, que remetia as propostas ao Governador das Armas da Província respetiva e este ao órgão superior - o Conselho de Guerra, chegando à pessoa do Rei. Esta centralização da escolha dos oficiais das Ordenanças, leva a que todos eles passem a ter uma Carta Patente, assinada pela Real Mão, em vez que uma Provisão passada pelo Conselho de Guerra. Em 1764, pelo Alvará de 24 de Fevereiro, surgem novidades nos campos relativos ao modelo de organização e sistema de recrutamento militar das Ordenanças. Para tentar melhorar o sistema de recrutamento agrupam-se as Capitanias Mores em Distritos sendo cada um atribuído a um dos 45 Regimentos de Infantaria, Cavalaria ou Artilharia existentes na altura, incluindo os dois Regimentos de Armada e o de Voluntários Reais. Por este Alvará, houve a preocupação de regulamentar claramente a forma como se realizava a escolha de recrutas, tentando torná-la o mais transparente possível. O método adoptado foi o de tirar à sorte, de entre os membros das listas de Ordenanças, de quem era enviado para o Regimento respectivo. Neste Alvará discrimina-se quem deve estar isento das Recrutas - uma parte considerável da população trabalhadora - sendo, normal, na época conceder-se ao chefe de família o poder de determinar quem seria incluído nas listas, mas essa autoridade incidia apenas na escolha dos filhos, criados ou aprendizes a serem inscritos para a recruta, pois os oficiais sabiam objectivamente quais a que casas se deveriam dirigir para exigir as mesmas. Dona Maria I não tocou nos regulamentos das Ordenanças e no ano de 1807 apesar de Dom João VI ter publicado o Regulamento Provisional para as Ordenanças do Reino e do Algarve, seguido do Alvará de 21 de Outubro do mesmo ano, onde são definidos os sete Governos Militares (Algarve, Alentejo, Beira, Estremadura, Partido do Porto, Minho e Trás-os-Montes) determinando que o país fosse dividido em 24 Brigadas de Ordenanças, uma para cada Regimento de Infantaria, esta reforma não chega a ser aplicada, devido à primeira invasão francesa, em 1808. Só em 1816 foi estabelecida uma nova e verdadeiramente racional organização do recrutamento e das Ordenanças, pondo termo à organização em Distritos Regimentais de 1764. O responsável por essa reforma foi Dom João VI, através do Regulamento de Ordenanças para o Reino de Portugal de 21 de Fevereiro de 1816. Nesse diploma o país era dividido - dentro dos 7 Governos de Armas coincidentes territorialmente com as Províncias - em 24 Distritos de Ordenanças - chefiado por um Coronel de Ordenanças (subordinado ao Inspector-Geral das Ordenanças, que por sua vez respondia ao General da Província e este ao General em Chefe, ponte de ligação com o órgão máximo, o Conselho de Guerra) - cada Distrito era dividido em 8 Capitanias Mores, num total de 192, e cada uma destas em 8 Companhias, num total de 1 536. O objectivo deste regulamento era acabar com as desigualdades da divisão anterior, ainda em vigor, ficando os Distritos, as Capitanias e as Companhias com o mesmo número de pessoas. Cada Capitania Mor possuía um Capitão Mor e um Sargento Mor e cada Companhia um Capitão, um Alferes, um 1.º Sargento, quatro 2.º Sargentos e 8 Cabos. Apesar de não vir expressamente delimitada as balizas temporais de recrutamento, em termos de idade, infere-se que todos os homens a partir dos 17 anos, que não fossem abrangidos pelas isenções (capítulo V do Regulamento) e que permanecessem solteiros até aos 24 anos ou mais eram obrigados a servir na Ordenança. Os Capitães Mores elaboravam as listas dos hábeis para o recrutamento, com base no sistema de sorteamento, para ingresso na Tropa de Linha ou nas Milícias (constituídas, grosso modo, pelos membros dos grupos privilegiados). Esta organização permanece nas Ordenanças até as mesmas serem abolidas pela Carta de Lei de 28 de Agosto de 1821, produto da revolução liberal vintista. Mais tarde, com Dom Miguel as Ordenanças voltam a ser restabelecidas nos mesmos moldes, tendo vindo a serem definitivamente extintas pela legislação de Mouzinho da Silveira, 1832-34, com a vitória cabal do liberalismo.